Levou
menos de um segundo. O ferimento rasgou o ombro do policial, dando brecha para
o pirata tomar o sabre e cortar a garganta dele em um movimento veloz demais
para olhos destreinados acompanharem.
–
Esse não atrapalha mais.
A
Ruiva levantou a cabeça ao ouvir a sentença, vendo o cadáver do guarda estirado ao chão e o pirata de costas recuperando sua espada. Ela tapava com
as duas mãos o nariz, que sangrava por ter sido atingido em cheio pelo coice da
arma. Apesar da dor, segurou as lágrimas e tentou pegar a pistola caída, mas
ela pareceu mais pesada do que antes.
–
Isso me pertence também – um pé postou-se bruscamente sobre a mão dela – Uma boa
arma é isso, Carmezita é fiel ao dono mesmo nas situações mais improváveis.
Não
havia traço de hostilidade no tom de voz do pirata, mas a garota não se daria
ao luxo de abaixar a guarda e agiu da maneira que considerava mais correta em
sua posição.
–
Essa área já tem dona. Arranje outro lugar pra roubar.
Sua intimidação costumava funcionar com trombadinhas das ruas rivais,
mas dessa vez a única reação que conseguiu foi uma gargalhada debochada.
Convém dizer que, se tratando de um pirata, esse resultado era longe de ser ruim,
mas a frustrou de qualquer modo.
–
Que conveniente, então! Estaremos conversando de líder para líder! – ele levantou-a
pelo cangote repentinamente, colocando-a sobre alguns caixotes para que ficassem
na mesma altura. – Capitão O’ Neil Korsan representando a frota Luxúria de Netuno. Estou falando com...?
–
Ruiva. Só Ruiva. – apesar do nervosismo óbvio, ela se forçou a não gaguejar.
Mas não pôde evitar as pupilas arregaladas quando o ar foi cortado pelo som da
lâmina do pirata sendo sacada, ficando entre os dois de uma forma quase casual.
–
Então, Srta. Ruiva, lhe informo oficialmente que estamos em processo de
pilhagem de seu território, como já percebeu. Todos os tesouros e vidas da
população nos pertencem, e qualquer resistência é inútil. Alguma objeção de sua
parte?
Não
era difícil perceber que sua única opção para sobreviver era entrar na
conversa do pirata, por mais estranha e inesperada que lhe parecesse, então
respirou fundo e continuou da melhor forma que podia.
–
Eu... eu acabei de salvar você! Nessa terra, você tem uma dívida comigo...
–
Ah, é mesmo? – ele interrompeu – Pelo que pude ver em seus olhos, seu desafeto
com aquele cavalheiro já não era de hoje. Teria atirado nele se tivesse a chance,
independente de qualquer vida em jogo, não é verdade?
–
Isso não muda que...
–
Vejo que não nega. E pergunto agora, a arma que lhe proporcionou tão justa
vingança, a quem pertence?
–
O que a sua arma tem a ver com...
–
Exato, minha arma e minha pólvora. Logo, quem tem uma dívida comigo é você; uma
vida e uma bala. Como pretende pagar isso?
Ele
sorria largamente, divertindo-se com a confusão que se formou na expressão da
menina. Entretanto, a surpresa saltou para o rosto dele quando, depois de
alguns instantes, os olhos dela brilharam e um arremedo de
sorriso ameaçou formar-se entre as manchas de sangue, do jeito que as crianças agem quando interessadas em saber como um brinquedo funciona.
–
Como o senhor faz isso?
Longe
dali, o porto jazia completamente tomado pela pirataria, a ponto do tédio
começar a se instalar entre os saqueadores. As coisas poderiam ter ficado
piores para a população se eles não temessem verdadeiramente a voz de comando ali presente.
–
É o que basta. Esperemos o retorno de O’Neil.
Um
vulto surgiu entre os piratas e foi reverenciado por eles, que se aquietaram
imediatamente. Quem os supervisionava severamente era uma mulher muito alva, de cabelos
negros, olhos puxados e maquiagem leve, destacando-se a sombra vermelha
formando um risco discreto e firme na pálpebra inferior. Seu vestido amarelo de corte reto e
a ausência de sapatos completavam a visão exótica. Ela se voltou para uma
rua que levava à cidade, como se soubesse o que esperar dali.
–
Já era hora. – comentou para si mesma quando viu a silhueta de O’ Neil saindo
das sombras, vindo daquela direção. Entretanto, levantou as sobrancelhas ao ver algo além das suas
expectativas e foi ao encontro dele, que agiu como se nada houvesse de anormal.
–
Tudo certo por aqui, Lixiu?
–
Por aqui, sim. E quanto a isso? – ela apontou com seus dedos longos e unhas
compridas para a garotinha ruiva e esfarrapada que o capitão carregava pelo
braço. Talvez o mais estranho, na verdade, fosse a expressão tranquila e
satisfeita da menina.
–
Ah, foi um bom negócio que fiz há pouco. Antes de sairmos, pegue dois rapazes para o último
carregamento. Têm algumas coisas boas nos becos, escondidas pelos ratinhos
eficientes da cidade...