quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Magellan VII - Parte X

Kari despertou sentindo o corpo pesado, mas não demorou a perceber que estava em uma cama confortável usando pijamas novos. Imaginou que delirava, até escutar uma voz familiar e completamente real.

Dorminhoca como sempre, Karirin.

DIONE! sem questionar detalhes nem conter as lágrimas, se jogou nos braços da irmã – Eu achei que nunca mais ia te ver...

Vocês tem mais sorte que juízo! ela desabafou, também emocionada – Logo que identificamos um objeto estranho entrando na capital incendiada, corremos pra lá e conseguimos resgatá-los a tempo.

E Ymir? Onde ele está?

Está no centro médico, recebendo atendimento. Vamos, vou levá-la até lá. tomou-a pela mão e conduziu-a pelos corredores do Centro Espacial Endeavour, mais populoso do que Kari imaginava, o que Dione logo explicou.

Vários sobreviventes conseguiram chegar aqui. Estivemos mandando sinais para que os ainda não acometidos pudessem nos encontrar.

A ultima frase de Dione trazia um tom um pouco incômodo, confirmado pela sala onde entraram. Várias pessoas estavam isoladas em compartimentos acolchoados, inclusive Ymir, sedado em uma cama.

YMIR! Kari correu até o vidro que a separava da câmara – O que significa isso, Dione?

Você tem o direito de saber. uma voz familiar surgiu no recinto, e os olhos de Kari e da diretora Alva se encontraram depois de uma aparente eternidade.  Outra mulher de longos cabelos loiros e um senhor de barbas e bigode grisalhos a acompanhavam.

O que Tahina e Vésper, os conselheiros-gerais de Laurásia e Godwana, estão fazendo aqui? Kari arregalou muito os olhos, sentindo-se tão confusa quanto no dia da morte de Loge, e olhou para Dione em busca de apoio.

Eles vieram porque é necessário. Irmã, você deve ter conhecido essa médica, não?

Em outra sala isolada apontada por Dione, uma mulher de pijamas com olhos vazios e cabelos despenteados cutucava as próprias unhas, alheia ao mundo.

Dra. Hati? Mas... ela era chefe do centro médico em TerechKova... o que está havendo?

A mulher a sua frente é a responsável pelo assassinato de Loge Hirming. Alva tomou a palavra – E também pelos crimes subsequentes na mesma cidade. Provavelmente era sobre isso que Jano queria falar com vocês, já que estava lá quando a Dra. foi encontrada em estado lamentável. Ela declarou que fez isso após Loge forçá-la ao sexo, o que foi confirmado pelos exames médicos.

O QUÊ? Isso é... absurdo!

Absurdo é um termo cabível. Entretanto, descobrimos que uma neurotoxina desconhecida alterara totalmente o padrão dos hormônios cerebrais dele, acarretando um incontrolável comportamento violento e irracional. E a Dra. Hati apresenta padrões hormonais ainda mais agudos.

Passamos todo esse tempo investigando as causas da onda de violência que se espalha pelo mundo – Tahina continuou – mas foram os relatórios da Missão Alpha Regio que nos ajudaram a descobrir. Loge teve contato direto com a amostra venusiana que trouxe e foi contaminado através dela.

Espera aí! Kari levantou a voz – Você quer que eu compre a história de uma neurotoxina alienígena se espalhando pelo globo e infectando quatro bilhões de pessoas em questão de meses?

Não. Apenas Loge foi infectado. Vésper continuou – Mas você pode entender o resto, não pode?

Kari silenciou por um momento e fitou Ymir através do vidro, vendo também seu próprio e irreconhecível reflexo desgastado.

Nós nos seguramos para não enlouquecer dia após dia, é verdade. Nem sei como nós... nem sei se entendo, realmente. ela parou, soluçando inconformada.

– O que a toxina fez foi alterar substâncias produzidas pelo próprio sistema nervoso, e não espalhar um agente externo como um vírus. – Dione segurou a mão da irmã – Assim, o cérebro das pessoas foi se reprogramando para responder ao novo ambiente, independente da presença da toxina. Algumas demonstraram maior resistência, outras...

– Outras, como o Ymir? Ele está bem!!! Ele veio comigo até aqui, eu sei do que ele é capaz e do que não é! E outra coisa, se já sabem as causas, podemos curar as pessoas!

– Infelizmente, não é tão simples. – Tahina aproximou-se de Kari, séria, mas gentil. – Todo o ecossistema foi degradado, os traumas foram profundos demais. Claro, poderíamos desenvolver fármacos e sistemas para controlar as pessoas, mas... controle não é cura. A Humanidade aprendeu isso a duras penas. Além disso, mesmo essa atitude demandaria um tempo que nos falta.

– Qual é a saída, então? O que vão fazer com o Ymir?

A essa altura, Kari já chorava como uma criança fragilizada e confusa, inconformada com as expressões indiferentes das pessoas poderosas à sua volta.

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