quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Magellan VII – Parte VII

Ano 3115 CH – Ciclo 14 – Semana 1

 Em um estabelecimento discreto de uma pequena cidade, um casal tomava café silenciosamente na mesa da janela, de onde podiam ver sua U.M. estacionada. Kari falava baixo a um aparelho enquanto Ymir prestava atenção nas notícias ao vivo de Laurásia, a maior cidade do país, e perdia a fome repentinamente.

– Sim, Dione, nós estamos bem... oi? Está me ouvindo? Como disse, estamos indo o mais rápido possível, mas muitas vias de circulação estão bloqueadas ou perigosas demais...

Hoje cedo, em pleno centro da cidade, o projetista Nero C. Ewetard atropelou um pedestre, depois identificado como seu vizinho, esmagando-o contra a parede de um edifício deliberadamente...

– Sim, estamos indo pela rota da Laurásia. E você, como está...? Eu perguntei, como está? Entendo. Entrarei em contato de novo. Sim, tomaremos cuidado. Te amo, irmã. Logo nos veremos. – ela desligou o comunicador e segurou as duas mãos de Ymir, olhando para o telão – continua se espalhando...

– Está cada vez pior. Ao menos sua irmã está bem, pelo que ouvi.

– Sim, o Centro Espacial Endeavour é o mais afastado e seguro do continente... estão isolados lá, mas ela já garantiu que nos aceitarão quando chegarmos. – ela suspirou, rezando consigo mesma para que a irmã continuasse em segurança e que eles fossem capazes de alcançá-la.

– O que será que Jano... tinha pra nos dizer...? – ele comentou distraidamente, como fazia às vezes, olhando para a Unidade Especial estacionada que já tinha salvo as vidas deles mais de uma vez naquele curto período de tempo.

Kari não respondeu. As olheiras de Ymir pioravam a cada dia pela preocupação e pesadelos com seus amigos astronautas que tiveram fins terríveis um seguido do outro. Por conta disso, ela estava alerta o tempo todo, sabendo que a loucura incubara-se no coração dele também. Não podia deixar que caíssem naquele abismo desconhecido de raiva irracional.

– Talvez seja melhor evitarmos com mais afinco as notícias e rumores. Minha cabeça tem piorado com elas. – ele completou, como se concordasse com os pensamentos dela.

– É verdade. Vamos nos concentrar no nosso objetivo.

E agora o líder espiritual Dalai Lama transmitirá uma mensagem de paz e compreensão para toda a humanidade neste momento crítico.

As notícias traziam agora um senhor muito velho, moreno e vestido com uma túnica vermelha segurando um rosário na mão. Kari assentiu discretamente a cabeça perante a visão do Dalai Lama, título que resistira ao passar das eras na conservação do Budismo.

– Irmãos do mundo inteiro. Venho aqui hoje para deixar uma palavra de consolo para os corações aflitos...

Seu gesto poderia ter sido de grande valia, caso a conferência não tivesse sido invadida por uma turba de adolescentes em skates voadores de segunda mão e armada com tacos de beisebol, usados para atacá-lo ferozmente durante o discurso. No meio da confusão e gritaria, apenas a câmera automática permaneceu imóvel, transmitindo o festim de violência ao vivo para o mundo inteiro.

Paralisada perante a cena terrível, Kari gritava e tremia sem conseguir desgrudar os olhos da tela, e teria continuado ali se Ymir não a arrastasse correndo para dentro do veículo antes que o estrago fosse ainda maior. Agarrada ao rosário, ela chorava e balbuciava enquanto ele tentava acalmá-la.

– Kari! Kari, olhe pra mim! Querida, acalme-se... Eu estou aqui. – deixou que ela chorasse no peito dele o quanto precisasse, admitindo com amargura que era tudo que podia fazer. 

Não podia nem evitar que suas próprias lágrimas caíssem e seus ombros cedessem, acúmulo do inferno das últimas semanas. Ficaram ali, agarrados um ao outro feito náufragos em meio à tempestade.

– O que vai ser de nós? O quê...? – o lamento de uma senhora que passava a esmo na rua, aos prantos, traduzia bem a situação que o mundo se encontrava - e que tendia ao pior.

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