quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Magellan VII - Parte IV

Ano 3115 CH  – Ciclo 13 – Semana 2

- ALGUÉM AJUDE!!! ALGUÉM, SOCORRO, POR FAVOR!!!!

A voz desesperada ecoou pelo Centro Espacial logo cedo, anunciando uma tragédia sem par: Loge Hirming, um dos tripulantes da nave Magellan VII, que voltara vitoriosa de Vênus há três dias... agora não passava de um cadáver desfigurado no chão de seu próprio quarto. 

Entre as pessoas que se aproximaram atraídas pelos gritos, a primeira a chegar fora Ymir, vizinho de quarto do astronauta mais velho.

- Ymir? O que está havendo? - Kari correu ao encontro dele, vendo-o deixar a passos lentos o grupo de testemunhas transtornadas. Ao olhar para ela, o azul celeste de seus olhos parecia ter se transformado em gelo e seu abraço foi tão forte que Kari precisou firmar os pés no chão para ambos não caírem.

- Vamos, você precisa descansar, amor.  - mesmo sem entender o que acontecia, abraçou-o de volta com determinação e falou com a voz mais suave possível, acariciando seus cabelos.

Todos que presenciaram a cena foram para a enfermaria, desmaiados, passando mal ou chorando copiosamente. Não se podia culpá-los, pois um ser humano morto daquela maneira, em plena época da 'passagem tranquila', era algo inconcebível. Ninguém se despedia desse mundo com menos de 150 anos, há gerações. E muito menos de forma violenta.

- É como História Antiga acontecendo ao vivo. – uma das testemunhas sintetizou. A situação só se acalmou quando a Diretora Alva tomou o controle da situação, mandando todos para suas casas.

- Por favor, após realizarem exames para atestarem suas condições de saúde, voltem todos para suas casas. Apenas os diretores e as autoridades permanecerão aqui. Não preciso dizer para que isso permaneça em sigilo em respeito aos sentimentos da família de Loge Hirming.

- Isso não é justo... - um dos engenheiros resmungou, sentado em sua cama – Todos nós somos da família...

- Quer dizer algo, Dr. Schultz? - a diretora voltou-se a ele, que ainda tinha um pouco de sangue do astronauta nas pontas dos dedos. Havia sido um dos poucos com força de vontade para chegar tão perto do corpo.

- Todos nós aqui somos família. Todos do Centro. Não é justo. Não é justo que você mande assim na gente, sua velha insensível! - ele levantou-se pronto a avançar em Alva, mas parou a um passo de distância dela, suando frio e com uma expressão desesperada no rosto. Todos o encaravam, incrédulos, inclusive a diretora.

- Desculpe, eu.. eu não sei... não sei... - ele voltou a sentar-se, balbuciando feito uma criança perdida. O silêncio instaurou-se, com exceção dos soluços de uma das garotas que voltara a chorar. Kari segurou com força o rosário entre seus dedos e apertou a mão de Ymir, que dormia.

No caminho de volta para casa, Kari dirigia e Ymir mantinha-se em silêncio, o olhar azul opaco perdido no horizonte. Um ou dois fios de cabelo branco recém-nascidos destacavam-se entre as mechas negras, mas ela tentou não pensar nisso e  iniciou uma conversação.

- Fique lá em casa essa noite. Vamos pedir algo para o jantar. Deve estar cansado de comida espacial depois de tantos meses de concentração, não é?

- Ele era o mais valente.

- Perdão?

- Ele era o mais valente de nós. O Loge. Ele foi o único que entrou na fenda...

Kari não sabia o que responder, nunca tinha visto o namorado assim. Nunca tinha visto ninguém assim, e nem sentido tamanha escuridão no coração. Era um medo desconhecido para ambos, de maneiras diferentes.

- No seu Budismo, Kari... as pessoas corajosas tem um lugar especial?

- Com certeza Loge tem um lugar especial agora. - ela reuniu toda sua coragem e conseguiu transmitir confiança na frase. Ymir suspirou. Obviamente eles não costumavam falar de religião, pois Kari sempre foi devota do Budismo de Sidharta e Ymir era um Ateísta Humanista convicto.

- Ele com certeza tem um lugar especial na História da Humanidade. - dito isso, Ymir deitou-se no colo dela e passou o resto do dia e da noite sonolento, como se estivesse sob efeito de drogas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário